“Consumidor tem papel central nas mudanças da indústria têxtil”
Entrevista com Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, mestre em Ecologia e doutor em Educação e Sustentabilidade
A indústria têxtil é um dos segmentos mais importantes da economia brasileira, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) são 33 mil empresas instaladas por todo o território nacional, negócios de diferentes tamanhos que empregam mais de 1,5 milhão de trabalhadores diretamente e geraram, juntos, um faturamento de R$190 bilhões em 2021 (IEMI -Inteligência de Mercado 2022).
Por outro lado, a indústria da moda segue na luta para melhorar sua reputação. O setor têxtil coleciona números negativos e é hoje a segunda cadeia mais poluente do Planeta. Para se ter uma ideia do impacto dessa indústria para o meio ambiente, somente o Brasil produz por ano 170 mil toneladas de resíduos têxteis e apenas 20% desse material é reciclado, segundo o Sebrae. O restante, 136 mil toneladas de roupas, acaba em lixões e aterros sanitários. Em 2023, a produção de peças estimada pelo instituto IEMI alcançará a marca de 5,99 bilhões.
Tecidos sintéticos levam de 100 a 300 anos para se decompor e o poliéster leva até 400 anos. As roupas de algodão demoram entre 10 e 20 anos para se decompor. Todo esse material pode ter um destino mais nobre que os aterros e os lixões. O relatório “A New Textiles Economy: Redesigning fashion’s future”, da Fundação MacArthur, estima que mais de US$ 500 bilhões são perdidos ao ano por falta de reciclagem do vestuário.
De acordo com o estudo, o setor têxtil produz 1,2 bilhão de toneladas anuais de gases do efeito estufa, mais do que todos os voos internacionais e de transporte marítimo juntos. Ainda segundo o documento, quando lavadas, algumas peças de roupa libertam microfibras de plástico, que somam meio milhão de toneladas todos os anos lançadas em cursos de água.
Para compreender mais as responsabilidades da indústria, dos governos e do consumidor nesta cadeia, o Blog Cidade AMA conversou com Edson Grandisoli, coordenador pedagógico do Movimento Circular, mestre em Ecologia, doutor em Educação e Sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP). Confira:
Quais seriam os caminhos para que a indústria têxtil brasileira reduzisse seus impactos ao meio ambiente – desde a extração de recursos naturais, passando pelo design, fabricação e uso, até o fim do seu ciclo de vida?
É muito importante analisar toda a cadeia de produção para se criar soluções que tornem as atividades do setor têxtil menos impactantes. Pensando em fibras naturais, como o algodão, práticas agrícolas que visam a preservação da biodiversidade local, dos recursos hídricos e do solo parecem fundamentais. No momento da fabricação, o menor uso de produtos químicos pode colaborar com a redução da poluição das águas, bem como práticas de reaproveitamento desse recurso tão valioso. O design também é fundamental, colaborando mais para frente na cadeia para que certos materiais possam ser reaproveitados. Além disso, o consumidor tem papel central, uma vez que pode reparar peças danificadas e não ceder às tentações da fast fashion. Doar e trocar também são ótimos caminhos que permitem às peças de vestuário ficarem mais tempo em circulação. Por fim, na hora do descarte, que exista efetivamente mecanismos de logística reversa, que facilitem que as peças retornem aos fabricantes para ganharem uma nova utilização, são muitas possibilidades quando consideramos os preceitos da economia circular.
Existe um grande excedente gerado pela indústria têxtil, falta inteligência para o setor ou um compromisso mais efetivo com a Agenda 2030?
Não há falta de inteligência ou tecnologia em nenhum setor produtivo, incluindo a indústria têxtil. é preciso incentivos fiscais e políticas públicas que colaborem e fomentem a transformação de determinados tipos de práticas, lembrando que não somente as empresas são responsáveis por criar caminhos mais sustentáveis. É preciso olhar as responsabilidades de todos os atores da cadeia. A agenda 2030 é apenas um guia, e importante, para essa transformação.
Como alterar processos de produção em uma indústria de quase 200 anos de atuação no Brasil?
O primeiro passo é identificar com precisão quais são os desafios do setor como um todo e buscar alternativas que colaborem com o ambiente, com as sociedades e com a economia. Após essa etapa, a implantação dessas soluções deve ocorrer de acordo com as possibilidades de cada ator dentro do setor. As mudanças em geral são lentas, mas o consumidor tem o poder de acelerá-las, por exemplo, escolhendo empresas que oferecem produtos mais social e ambientalmente corretos. Vale reforçar que as responsabilidades são compartilhadas. Não adianta cobrar mudanças somente de quem fabrica, se o restante da cadeia não faz a sua parte.
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