Filantropia: Apenas 1% das doações vai para causas ambientais
Entrevista com Paula Jancso Fabiani, CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social
O avanço das mudanças climáticas trará um grande desafio social para as próximas décadas. Com mais enchentes, incêndios florestais e furacões, os riscos físicos para as pessoas devem se tornar mais frequentes e mais intensos, a menos que as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) sejam drasticamente reduzidas. Um dos efeitos para a população global seria o aumento da desigualdade, já que minorias raciais e étnicas, comunidades de baixa renda e países menos desenvolvidos tendem a estar mais expostos aos efeitos do clima.
A filantropia pode ser parte da solução apoiando programas voluntários da sociedade civil para proteger as pessoas dos riscos climáticos e apoiar a justiça ambiental. Ao longo dos anos, porém, as ações filantrópicas deram prioridade para educação, saúde, direitos humanos, igualdade e segurança alimentar. Apesar do impacto das mudanças climáticas, historicamente o setor de filantropia reserva quantias relativamente pequenas para causas ligadas ao meio ambiente.
Segundo a Pesquisa Doação Brasil (2020), o volume de doações no Brasil somou R$ 10,3 bilhões, equivalentes a 0,14% do PIB. O levantamento também revelou que entre doadores individuais, a causa ambiental ainda não está entre as mais populares – apenas 1% dos entrevistados dizem ser essa a causa a qual sua doação foi destinada.
O blog Cidade AMA conversou com Paula Jancso Fabiani, CEO do IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), sobre o volume de doações em meio aos riscos climáticos, a participação do setor ambiental na filantropia brasileira e os desafios do setor no Brasil.
Economista formada pela FEA-USP, com MBA pela Stern School of Business – New York University, Paula tem sua trajetória marcada pela atuação nos campos da filantropia e cultura de doação. Esteve à frente de iniciativas como a Pesquisa Doação Brasil, o Fórum Brasileiro de Filantropos e Investidores Sociais e a Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Em 2020, ganhou o Prêmio Folha Empreendedor Social pela liderança do Fundo Emergencial da Saúde – Coronavírus Brasil.
Com o agravamento da Crise Climática é esperado um aumento da filantropia para iniciativas ambientais (como mensurar o retorno das doações)?
Em momento de crise, sempre percebemos que a generosidade das pessoas é ativada e elas passam a doar mais. Quando vemos pessoas que perderam suas casas em enchentes, incêndios em museus, ou a devastação causada pela pandemia nas mais diferentes esferas, a mobilização aumenta. O World Giving Index 2022, recentemente lançado pela Charities Aid Foundation e pelo IDIS, mostra que, no ano passado, em todo o mundo, 3 bilhões de pessoas ajudaram alguém que não conheciam, um aumento de aproximadamente meio bilhão em comparação ao período anterior à pandemia.
Houve também um aumento de 4% na doação de dinheiro – ação praticada por 35% da população. No caso do Brasil, o país subiu no ranking geral da pesquisa, pulando da 54° para a 18° posição de país mais generoso entre 119 nações. Este cenário reflete um crescimento do sentimento de solidariedade no Brasil nos últimos anos, mesmo com dificuldades advindas do contexto socioeconômico atual. Segundo o Monitor das Doações, empresas, famílias e organizações filantrópicas bateram recordes de doações em 2020 no Brasil.
A questão climática tem ganhado cada vez mais relevância no mundo e no campo da filantropia, dado que suas consequências são cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas. No Brasil, ainda é menos relevante que outras causas, mas a expectativa é que passe a receber mais atenção e recursos. A avaliação do impacto das doações é feita com base nos objetivos iniciais traçados pelas organizações que recebem os recursos. A escolha da metodologia deve ser coerente com a amplitude, duração e objetivos estratégicos do investimento socioambiental avaliado. Neste sentido, é feita caso a caso e tem sido feita cada vez mais. Saber os impactos causados nos permite não só mensurar os benefícios gerados, mas também aprimorar o uso do investimento, identificar externalidades e corrigir rotas.
Atualmente, qual a participação do setor ambiental na filantropia brasileira?
As mudanças climáticas saíram do campo das hipóteses e invadiram o cotidiano de quase toda a população global. Mesmo que ainda paire questionamentos sobre a origem do fenômeno, já não resta dúvida alguma sobre a necessidade urgente de seu combate. Uma pesquisa realizada pela Ipsos em 2021, mostrou o Brasil como o segundo país que mais concorda que “estamos caminhando para um desastre ambiental, a menos que modifiquemos nossos hábitos”. Entretanto, outros estudos demonstram que, comparado a outros países – principalmente europeus – o investimento social privado, doações e voluntariado ainda não atuam no assunto como prioridade por aqui.
O Benchmarking do Investimento Social Corporativo – BISC de 2021 mostrou que apenas 0,1% do montante de investimento social privado dentre as empresas pesquisadas foi para a causa do meio ambiente. A Pesquisa Doação Brasil, por sua vez, que considera as doações individuais, revelou que entre os doadores, a causa ambiental é pouco popular também – apenas 1% dos entrevistados dizem ser essa a causa a qual sua doação é destinada.
A evolução do assunto é ainda tímida, visto que a crise socioeconômica que o país atravessa acaba fazendo com que as prioridades se pulverizem mais.
Como aumentar as ações filantrópicas no setor ambiental?
Passamos por um período em que as questões ambientais estão muito relegadas pelo poder público. Ações de sensibilização, advocacy, geração de dados são medidas que podem contribuir para que o tema ganhe maior relevância. Um olhar à correlação entre a causa ambiental e outras causas também é necessário. Se educação é a causa mais popular no Brasil, ações colaborativas, que respondam a mais de um desafio, são desejáveis.
Quais são os maiores desafios do setor de filantropia no Brasil?
O setor filantrópico tem amadurecido, com mais qualidade nas reflexões, investimento na geração de dados, ações mais estratégicas e crescimento de aportes. A colaboração é mais presente, mecanismos e estruturas como os fundos patrimoniais e as finanças híbridas (blended finance) se tornam mais populares, a tecnologia acelera e dá escala a projetos. A melhor cobertura da mídia contribuiu também para o maior engajamento da população em geral. O crescimento da relevância da agenda ESG (traduzido ao português governança, social e ambiental) também traz o debate para o dia a dia das empresas privadas.
O aumento de ações filantrópicas por parte de empresas e famílias impulsionadas pela pandemia de Covid-19, mostrou o potencial de mobilização de recursos e impacto. Ainda temos um grande caminho a percorrer. Avançar nessas pautas é nosso maior desafio, mas estamos na direção certa.
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