Baixo consumo de hortaliças desafia agricultura vertical no Brasil
Entrevista com o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, Ítalo Guedes, sobre o futuro da agricultura vertical no Brasil
Extremamente benéfico para a saúde, o consumo diário de hortaliças garante a ingestão de vitaminas, sais minerais, fibras e antioxidantes fundamentais para o nosso organismo. A Organização Mundial da Saúde recomenda o consumo diário de 400 gramas de frutas e hortaliças, em cinco ou mais dias da semana. No Brasil, segundo a FAO, o consumo de hortaliças por pessoa/dia é de apenas 141 gramas.
Entre os fatores para esse baixo consumo pelos brasileiros podem estar associados o poder de compra da população, a facilidade de acesso e costumes regionais. Entretanto, existe uma crescente demanda por alimentos mais saudáveis. Nas grandes cidades a busca por opções orgânicas tem aumentado, assim como o número de pessoas que se dispõem a pagar mais por vegetais mais frescos e produzidos de maneiras sustentáveis.
Para ampliar a oferta de hortaliças e frutas nos grandes centros urbanos com redução de custos e emissões de carbono relacionadas ao transporte e uso de água, as fazendas verticais estão ganhando espaço em todo o mundo.
A agricultura vertical é uma técnica de cultivo que utiliza várias camadas de plantas em uma estrutura vertical, como prédios ou estufas, em vez de cultivar plantas em um solo tradicional. Isso permite a maximização do uso do espaço e a produção de alimentos em uma área relativamente pequena. A agricultura indoor é mais uma forma de se cultivar hortaliças, um nicho de mercado que não pretende substituir a agricultura convencional e orgânica ou o cultivo protegido em estufas e casas de vegetação.
Com a proposta de economizar insumos, aproveitar espaços urbanos subutilizados e anular os gastos com logística (e combustíveis fósseis) para escoar a produção, reduzir o desperdício do local de plantio até o centro consumidor, a agricultura indoor em metrópoles também ganha pontos porque facilita o acesso ao alimento fresco e de qualidade.
Confira alguns benefícios da agricultura vertical:
- Eficiente em termos de uso de terra (pode produzir muito mais alimentos por hectare do que fazendas tradicionais);
- Eficiente em água (pode produzir colheitas com 5% do consumo tradicional de água);
- Alimentos de alta qualidade (as condições podem ser otimizadas para produzir alimentos muito saudáveis e saborosos);
- Capaz de colheitas múltiplas por ano;
- Capaz de cultivar alimentos em qualquer clima;
- Alimentos mais ricos em nutrientes (alimentos perdem valor nutricional durante o transporte);
- Menor risco de contaminação por patógenos e sem necessidade de uso de pesticidas, herbicidas, fungicidas.
Conversamos com Ítalo Guedes (foto), engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), sobre os desafios da agricultura vertical no Brasil. Coordenador do primeiro projeto de pesquisa sobre fazendas verticais da Embrapa, Ítalo realiza pesquisa em nutrição mineral de plantas e sistemas de cultivo sem solo em ambiente protegido e em ambiente controlado.
O que é necessário para trazer a agricultura vertical para a escala ´”industrial”, como ela pode causar um verdadeiro impacto na produção de alimentos?
Em alguns países, como o Japão, e em algumas regiões dos Estados Unidos, as fazendas verticais já causam um impacto relativamente grande na produção local de alimentos. Um dos grande problemas no Brasil, não apenas para as fazendas verticais, mas para a produção de hortaliças como um todo, é o baixíssimo consumo desse tipo de alimentos pela população brasileira. Enquanto o consumo médio de hortaliças no Japão está em torno de 170kg por habitante por ano; na Itália é de 150kg por habitante por ano; o consumo médio de hortaliças no Brasil não chega a 30kg por habitante por ano. Com um consumo tão baixo, é muito complicado para o setor produtivo investir em tecnologia para incrementar a produção e melhorar a qualidade dos produtos. O investimento inicial em uma fazenda vertical é muito alto, provavelmente algo em torno de R$5 milhões de reais em uma área de cerca de 200 metros quadrados. Esse valor pode aumentar dependendo do grau de monitoramento e automação adotado. Com um valor tão alto, as hortaliças produzidas terão um maior custo, naturalmente. Dessa forma, ainda faz mais sentido investir em fazendas verticais em locais onde haja público com alto poder de compra e disposto a pagar mais por um alimento fresco de alta qualidade.
Atualmente, qual o tamanho da agricultura vertical no Brasil – qual a expectativa de crescimento da modalidade?
Assim como para todo o setor de hortaliças no Brasil, as estatísticas ou são muito ruins ou não existem. Há muito poucas fazendas verticais no Brasil, concentradas em algumas capitais e poucas cidades interioranas de grande porte com uma classe média de maior poder de compra. De acordo com o relatório “Indoor Farming Market Size, Share & Trends Analysis 2021-2028”, há uma estimativa de que o mercado global de agricultura indoor chegue a US$75,3 bilhões até 2028, apresentando uma taxa de crescimento anual de 10,9% de 2021 a 2028.
Qual seria a área necessária na agricultura tradicional para produzir a mesma quantidade produzida na agricultura vertical?
As produtividades, tanto em campo quanto em fazenda vertical, variam de acordo com a espécie e com o nível tecnológico adotado, então não há uma só resposta para essa pergunta. Além disso, a agricultura vertical não almeja competir com a agricultura convencional. O que se quer com a produção de alimentos em fazendas verticais é garantir o abastecimento de grande centros urbanos, facilitar o acesso das populações urbanas a alimentos frescos de qualidade e nutritivos, diminuir a pegada de carbono e as perdas de alimentos ao reduzir o caminho percorrido entre os alimentos e a mesa do consumidor e permitir a continuidade da produção mesmo sob condições climáticas adversas e na ausência de terras agricultáveis.
Quais culturas são mais produzidas nessa modalidade (é possível produzir todas hortaliças e frutas neste ambiente)?
Naturalmente, culturas de menor porte, que se prestem à verticalização do cultivo, de ciclo curto e de alto índice de colheita são as mais apropriadas ao cultivo em ambiente controlado e verticalizado. As folhosas são as espécies que congregam a maior parte dessas características, logo ainda são as mais cultivadas. Tem crescido muito o cultivo do morangueiro, que possui muitas das características citadas.
Quais são os maiores gargalos para a criação de novas fazendas verticais – tecnológicos, valor imobiliários, gasto energético, equipamentos?
Todos os fatores citados representam um desafio à expansão das fazendas verticais no Brasil, acrescentados do baixo consumo médio de hortaliças no país. Em termos tecnológicos e de equipamentos, temos ainda uma dependência muito grande de exportações e ainda há pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento, público e privado, no Brasil; não existem normativas nem incentivos ao cultivo vertical nas cidades brasileiras, não há sequer clareza se um empreendimento de cultivo vertical localizado em área urbana deveria pagar IPTU ou ITR; o controle ambiental e a iluminação artificial representam um alto gasto de energia e provavelmente a maior contribuição aos gastos de manutenção de uma fazenda vertical e há poucos incentivos fiscais à adoção de fontes alternativas de energia.
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ODS12 – Consumo e produção responsáveis – Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis
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