Moda e Sustentabilidade: “O consumo por imagem ainda prevalece sobre o consumo consciente”
Entrevista com a especialista em moda e sustentabilidade Gabriela Garcez Duarte
A indústria da moda segue na luta para melhorar sua reputação. O setor têxtil coleciona números negativos e é hoje a segunda cadeia mais poluente do Planeta. De acordo com estudo da ONU, em 2019, a fabricação de roupas e calçados é responsável por 20% do total de desperdício de água globalmente e gera 8% dos gases do efeito estufa. Além disso, muitas das marcas globais são acusadas de trabalho escravo e de incentivar um consumo incompatível com o momento de crise climática em que vivemos.
Para mudar esse cenário, o tema sustentabilidade está cada vez mais na pauta das grandes marcas e dos consumidores. Inovações tecnológicas, mudanças nos hábitos de compra e o aumento do consumo de roupas de segunda mão parecem estar mais presentes nessa busca para tornar o setor mais sustentável.
Conversamos sobre a responsabilidade da indústria e do consumidor com Gabriela Garcez Duarte, PHD, mestre em moda, cultura e arte e doutora em Design pela UFPR e Professora de Moda e Sustentabilidade na PUC-PR.
Quem é o vilão ou vilã? A indústria ou o consumidor?
São ambos. Produção e consumo fazem parte de um sistema que se retroalimenta. Entendo que a parte de produção tem uma responsabilidade um pouco maior que o consumidor. É na produção que as decisões influenciam mais no grande sistema industrial global, que é o que mais consome recursos. O mercado é uma das camadas deste sistema mais difíceis de se mudar. São relacionamentos comerciais fechados como a encomenda de insumos e processos fabris difíceis de se mudar a curto prazo. Mesmo existindo tecnologias e materiais mais sustentáveis, o mercado segue com os mesmos processos por questões de preços. Penso que isso só irá mudar em uma grave crise energética – na falta de petróleo, por exemplo ou com sanções governamentais. Agora, com o pacto global e o avanço do movimento ESG, algumas destas práticas começam a mudar, ainda que vagarosamente.
Uma análise do mercado europeu da plataforma de moda Vestiaire Collective estima que até 2023, 27% dos armários serão compostos por peças de segunda mão. Podemos transportar essa realidade para o Brasil?
Eu percebo que essa é uma realidade que já acontece no Brasil. Vejo um crescimento de lojas de peças seminovas, inclusive em shoppings, que é um lugar de moda mainstream. Isso indica que a grande massa está começando a aceitar essa possibilidade de compra.
Na sua percepção, existe uma ascensão do consumo consciente? As pessoas que têm poder de compra estão mesmo optando por peças de roupas de qualidade superior, em vez de ter mais itens?
Algumas pesquisas apontam que as novas gerações têm optado por marcas mais transparentes, com posicionamento mais responsável nas questões social e ambiental. No Brasil, observando os hábitos das pessoas percebo que os critérios maiores ainda estão relacionados ao estilo, às cores, aos cortes e ao status. Quando vejo as pessoas expondo seus looks nas redes sociais não vejo uma predominância na exposição de produtos mais sustentáveis. A pessoa não exibe um produto por ter sido feito com processos responsáveis. O consumo por imagem ainda prevalece sobre o consumo consciente.
Como você vê as novas gerações de estilistas? A ideia de glamour ainda se sobrepõe aos temas de responsabilidade social e ambiental?
Fiquei feliz em ver na última edição do São Paulo Fashion Week a quantidade de marcas com enfoque na diversidade de gênero, de raças, de etnias, agregando técnicas artesanais de produção, resgatando o valor cultural da moda. Vi algo bem forte na defesa das ideologias acima da do glamour, do status. São trabalhos de altíssima qualidade, inovadores e que defendem causas sociais importantes. Neste caso é importante ressaltar a força da curadoria, do Paulo Borges e sua equipe.
Como o upcycling pode ajudar na redução dos impactos ambientais?
A ideia é usar a estratégia do upcycling, que é reaproveitar o material, prolongar a vida daquele material. Vale a pena pensar que o novo produto que a pessoa irá comprar tenha qualidade de fechamento, de costura, com um estilo mais clássico ou de vanguarda, que não seja tão temporal. Algo que dure por décadas, que possa até ser passado por gerações, fugindo do modismo e da obsolescência percebida.
Também é importante pensar no processo criativo do upcycling. Trabalhar com resíduos de produtos já usados e com resíduos de produção. Estabelecendo uma lógica de processo é possível determinar tamanhos e tipos dos materiais. Outro ponto é sempre pensar em dar prioridade para prolongar a vida de materiais mais danosos ao meio ambiente como os sintéticos.
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