Você sabe o que é economia circular?
A economia circular é um modelo com princípios impulsionados pelo design. Entre seus pilares estão a eliminação de resíduos e poluição, circulação de produtos e materiais e a regeneração da natureza. Na economia circular, os modelos de negócio, produtos e materiais são pensados e criados para aumentar o seu uso e reuso, criando assim uma economia em que não há desperdício e tudo tem valor.
Este modelo se opõe à economia vigente, que é linear e baseada em extrair recursos da natureza para transformá-los em produtos e alimentos e logo desperdiçá-los após o uso.
Conversamos com duas especialistas em economia circular para entender como é possível fazer a transição da economia linear para a economia circular
Carla Tennenbaum é formada em história e especializada em design e sustentabilidade. Léa Gejer é arquiteta e urbanista e mestre em gestão urbana. Juntas, criaram o Ideia Circular – iniciativa pioneira que surgiu para inspirar, apoiar e divulgar projetos a partir da perspectiva do design, inovação e economia circular.
Quais são os mantras da economia circular?
CARLA E LÉA – O lixo é um erro de design!
Essa é uma frase que a gente gosta muito, que é o título do nosso manifesto (www.ideiacircular.com/manifesto) desde que a gente criou a Ideia Circular.
É uma tradução nossa da expressão waste is a design flaw, de um projeto britânico chamado The Great Recovery, que estudava esse papel do design para uma economia circular.
A questão é que os resíduos existem, fazem parte de qualquer processo humano ou natural. Mas na natureza os resíduos circulam, alimentam outros processos. Essa ideia de lixo – um resíduo que não serve para nada, que vai ser jogado “fora”, é uma invenção humana. E que existe porque os nossos produtos, e os nossos materiais, não são concebidos desde o início pensando no que vai acontecer com eles depois.
Então a ideia é de que o “problema” do lixo não é uma questão de gerenciamento de resíduos, de lidar com o que sobra dos nossos processos e achar um uso pra isso. A gente precisa olhar no começo do processo: quando os produtos ou sistemas são concebidos, já precisa existir um planejamento intencional de como os materiais vão circular, ou seja, como o seu valor vai ser recuperado para alimentar outros ciclos e evitar o desperdício.
É isso que a gente chama de design, mas que não se restringe a designers especificamente, mas a essa intencionalidade no projeto de um produto ou sistema, e qualquer pessoa envolvida na sua criação. Então se o lixo é um erro de design, com intencionalidade a gente consegue desenhar produtos e sistemas que eliminam a ideia de lixo, e fazem esse valor circular de uma forma benéfica para as pessoas, o planeta e os negócios.
Como um guia para fazer isso, a nossa grande referência são os 3 princípios Cradle to Cradle, que também podem ser considerados mantras:
Resíduos como nutrientes – desenhar os produtos, processos e sistemas de forma que os resíduos possam alimentar novos ciclos produtivos, seja na esfera técnica ou biológica
Usar a entrada solar ilimitada – investir no uso de energia limpa e renovável para alimentar nossos sistemas, ao invés de fontes fósseis e poluentes.
Celebrar a diversidade – levar em conta as condições, desafios e oportunidades locais no desenho de novas soluções, celebrando a diversidade social, biológica e tecnológica.
Como funciona o conceito cradle to cradle (berço ao berço)?
CARLA E LÉA – O pensamento Cradle to Cradle (do berço ao berço) é uma das bases teóricas/metodológicas mais importantes da economia circular, e a grande referência do nosso trabalho na Ideia Circular.
Essa expressão foi título de um livro-manifesto publicado em 2002 pelo arquiteto americano William McDonough e pelo engenheiro químico alemão Michael Braungart, que veio a se tornar uma das obras mais influentes do pensamento ecológico mundial (No Brasil, o livro foi publicado em 2014 pela editora Gustavo Gilli, com o título Cradle to Cradle – Criar e reciclar ilimitadamente). No livro eles justamente falam sobre a necessidade de ir além das estratégias convencionais de sustentabilidade, que tentam só reduzir impactos negativos, e pensar em processos industriais inspirados na natureza, que mantenham o valor dos materiais em circulação e sejam bons para as pessoas, os negócios e o planeta.
Desde então, essa metodologia inspirou a inovação circular em diversas empresas e regiões, e gerou um processo de certificação reconhecido mundialmente como o mais completo para a avaliação de produtos desenhados para a economia circular.
Para entender o nome: Existe uma expressão chamada cradle to grave (do berço ao túmulo), usada na análise de ciclo de vida de produtos, que considera os impactos negativos gerados nesse processo linear desde o ‘berço’ (extração/produção) até o ‘túmulo’ (descarte) de um produto.
Nesse sentido, falar em Cradle to Cradle é uma provocação para subverter essa lógica que tem como inevitável o descarte/morte de um produto. A ideia é que os recursos sejam geridos em uma lógica circular de criação e reutilização, em que cada passagem de ciclo se torna um novo ‘berço’ para determinado material. Dessa forma, o modelo linear é substituído por sistemas cíclicos, permitindo que recursos sejam reutilizados indefinidamente e circulem em fluxos seguros e saudáveis – para os seres humanos e para a natureza.
Reciclar já não é mais suficiente para um mundo sustentável, teremos que reformular toda a cadeia de produção?
CARLA E LÉA – Sim! Temos que repensar os sistemas com intencionalidade desde o início.
Reciclar não é suficiente. Em primeiro lugar porque não questiona a lógica dos produtos descartáveis – que consumiram muitos recursos e energia para serem produzidos, e que também vão necessitar de recursos e energia para serem reciclados. Em muitos casos, faz mais sentido pensar em ciclos de reuso, reparo, redistribuição ou remanufatura, que trazem uma maior vantagem ambiental e também econômica, porque preservam o valor dos produtos, componentes ou materiais com maior qualidade.
O segundo motivo porque reciclar não é suficiente é que a grande maioria dos produtos e materiais em circulação não foram pensados desde o início para serem recuperados e reciclados com qualidade. Eles muitas vezes são difíceis de desmontar, ou têm misturas ou aditivos que contaminam os materiais, fazendo com que a reciclagem seja na grande maioria dos casos uma subciclagem (ou downcycle), que resulta num produto ou material de qualidade inferior.
Por isso a gente enfatiza que o gerenciamento de resíduos não é suficiente, e é preciso pensar uma transformação na forma como os materiais, produtos e sistemas industriais são criados, trazendo intencionalidade e critérios claros desde o princípio para eliminar o conceito de lixo e manter os materiais em circulação.
Entrevista originalmente publicada no Menor Jornal do Mundo
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ODS9 – Indústria, inovação e infraestrutura – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
ODS12 – Consumo e produção responsáveis – Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis
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Muito boa está abordagem. Estamos juntos para corrigir estes erros do design e da indústria, do nosso consumo.
Meninas, vocês são geniais!
“O lixo é um erro de design” Adorei essa ideia!
Realmente, o lixo é, no mínimo, uma resposta à nossa visão limitada dos processos que regem a vida no planeta.
Sou gestora ambiental de um empreendimento em Belo Horizonte; BioParque Brasil.
Gostaria muito de trocar umas ideias com vocês. Poderiam enviar um fone de contato?
Grata,
Mônica Tanure